terça-feira, 14 de maio de 2013

Dia do faxinaço: mexendo nas gavetas




Hoje levantei da cama diferente, olhei-me no espelho e vi uma cara que não é minha. Um olhar de peixe morto, uma expressão de puro cansaço em um rosto já envelhecido pelo tempo. Só restava com essa imagem a vontade de me jogar fora, de fazer meu último ato de dignidade. E alguém nessa vida já se jogou fora? Já se sentiu meio descartável? Pois é! Nós somos seres imperfeitos, e em nossa complexidade temos dificuldade de aceitar que somos limitados, aceitar as perdas e os fracassos, e lidar de forma coerente com o outro.
Eu não joguei o “lixo no lixo”, na verdade era só uma forma de expressão de como a gente acaba se sentindo diante da incapacidade de resolver os problemas de forma racionalizada. A gente se joga no fundo do poço e só percebe que chegou ao fundo quando tentamos cavar o incavável.  É nessa hora que precisamos reagir, acionar o instinto de sobrevivência e catar o resto de dignidade existente. Resolvi sair da posição de coitadinho (muito cômoda em certas ocasiões), pois sentir pena de si mesmo é um ato extremamente vergonhoso.  Depois, fui logo mexendo nas minhas gavetas, a intenção era jogar tudo de ruim fora, até porque pessoas mais velhas (assim como eu) adoram se apegar a cacarecos. É aquela questão de querer preservar as memórias, de guardar aquele momento importante. Mas, chega um momento que não sabemos mais distinguir o que realmente é importante guardar em nossas gavetas e o que devemos jogar fora.
Confesso que praticar o desapego é muito difícil, seja de coisas, pessoas ou de situações. Olhei para as minhas gavetas e vi o quanto elas estavam abarrotadas de cacarecos, a exemplo de fotos, livros, agendas velhas, rascunhos com rabiscos de algumas quase poesias, recortes de jornais e etc. Tinha até receitas de comidas recortadas das embalagens dos produtos comprados em supermercados, pois na minha cabeça eu iria fazer algum dia essas receitas, mesmo não tendo nenhuma prática ou aptidão para tal função. Mal sei fritar um ovo, fazer arroz e colocar água no feijão, tudo nessa ordem! A culinária é uma área não explorada por mim, embora ainda cultive o desejo de aprender a fazer pelo menos o básico da cozinha.
Joguei quase tudo fora, só restando os meus rascunhos poéticos, as fotos não comidas pelo tempo e os livros de literatura. Senti um tremendo vazio, parecia que alguém tinha arrancado uma parte de minha vida, de meu corpo.  Tudo bem que essa frase final soou meio melodrama, todavia a gente precisa aprender a cortar na própria carne. De tanto conviver com pessoas ou coisas, as quais, muitas vezes não acrescentam em nada nas nossas vidas e ainda são nocivas, nos acostumamos e achamos natural essa simbiose.  Podemos até reclamar da boca para fora, porém não tomamos nenhuma atitude a respeito, a não ser quando ficamos extremamente sufocados. E nesse momento a ficha começa a cair, e vem o despertar daquele estado de letargia que por muito tempo dominou nosso espírito.
Não basta apenas o mexer nas gavetas, a faxina mental também é importante. Rever certos conceitos, velhas posturas, e porque não dizer, deixar as amarras e ter mais leveza? Ter leveza na vida é uma meta a ser conquistada por muitos de nós, e eu me incluo nesse grupo. Viver sem carregar os dissabores, os desafetos, os problemas, sem ficar dando “murro em ponta de faca” e sem esperar muitos dos outros. Pelo menos nesse último quesito, posso dizer que sou liberto. Esperar que a outra pessoa preencha seus anseios e carências é uma barca furada, em algum momento você vai se decepcionar.  As pessoas não são perfeitas e nem tão pouco vem com um manual de instruções, cada uma é de um jeito, mas o difícil é aceitar esse fato.
E se a vida é um eterno aprendizado, então que possamos aprender a sermos menos dependentes, menos egoístas, a não ter medo de nossas escolhas, porque sejam elas certas ou erradas, fazem parte de nosso amadurecimento. Que sejamos capazes de conviver com as nossas limitações e a do outro, procurando enxergar o melhor de cada um de nós e não somente as diferenças. E nunca se esquecer de levar a vida com leveza, mexendo nas gavetas e praticando o desapego.


Reinaldo Souza                 05/05/2013




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