Hoje levantei da cama diferente, olhei-me no espelho e vi uma
cara que não é minha. Um olhar de peixe morto, uma expressão de puro cansaço em
um rosto já envelhecido pelo tempo. Só restava com essa imagem a vontade de me
jogar fora, de fazer meu último ato de dignidade. E alguém nessa vida já se
jogou fora? Já se sentiu meio descartável? Pois é! Nós somos seres imperfeitos,
e em nossa complexidade temos dificuldade de aceitar que somos limitados,
aceitar as perdas e os fracassos, e lidar de forma coerente com o outro.
Eu não joguei o “lixo no lixo”, na verdade era só uma forma
de expressão de como a gente acaba se sentindo diante da incapacidade de
resolver os problemas de forma racionalizada. A gente se joga no fundo do poço
e só percebe que chegou ao fundo quando tentamos cavar o incavável. É nessa hora que precisamos reagir, acionar o
instinto de sobrevivência e catar o resto de dignidade existente. Resolvi sair
da posição de coitadinho (muito cômoda em certas ocasiões), pois sentir pena de
si mesmo é um ato extremamente vergonhoso.
Depois, fui logo mexendo nas minhas gavetas, a intenção era jogar tudo
de ruim fora, até porque pessoas mais velhas (assim como eu) adoram se apegar a
cacarecos. É aquela questão de querer preservar as memórias, de guardar aquele
momento importante. Mas, chega um momento que não sabemos mais distinguir o que
realmente é importante guardar em nossas gavetas e o que devemos jogar fora.
Confesso que praticar o desapego é muito difícil, seja de
coisas, pessoas ou de situações. Olhei para as minhas gavetas e vi o quanto
elas estavam abarrotadas de cacarecos, a exemplo de fotos, livros, agendas
velhas, rascunhos com rabiscos de algumas quase poesias, recortes de jornais e
etc. Tinha até receitas de comidas recortadas das embalagens dos produtos
comprados em supermercados, pois na minha cabeça eu iria fazer algum dia essas
receitas, mesmo não tendo nenhuma prática ou aptidão para tal função. Mal sei
fritar um ovo, fazer arroz e colocar água no feijão, tudo nessa ordem! A
culinária é uma área não explorada por mim, embora ainda cultive o desejo de
aprender a fazer pelo menos o básico da cozinha.
Joguei quase tudo fora, só restando os meus rascunhos
poéticos, as fotos não comidas pelo tempo e os livros de literatura. Senti um
tremendo vazio, parecia que alguém tinha arrancado uma parte de minha vida, de meu
corpo. Tudo bem que essa frase final
soou meio melodrama, todavia a gente precisa aprender a cortar na própria
carne. De tanto conviver com pessoas ou coisas, as quais, muitas vezes não
acrescentam em nada nas nossas vidas e ainda são nocivas, nos acostumamos e achamos
natural essa simbiose. Podemos até
reclamar da boca para fora, porém não tomamos nenhuma atitude a respeito, a não
ser quando ficamos extremamente sufocados. E nesse momento a ficha começa a
cair, e vem o despertar daquele estado de letargia que por muito tempo dominou
nosso espírito.
Não basta apenas o mexer nas gavetas, a faxina mental também
é importante. Rever certos conceitos, velhas posturas, e porque não dizer, deixar
as amarras e ter mais leveza? Ter leveza na vida é uma meta a ser conquistada
por muitos de nós, e eu me incluo nesse grupo. Viver sem carregar os
dissabores, os desafetos, os problemas, sem ficar dando “murro em ponta de faca”
e sem esperar muitos dos outros. Pelo menos nesse último quesito, posso dizer
que sou liberto. Esperar que a outra pessoa preencha seus anseios e carências é
uma barca furada, em algum momento você vai se decepcionar. As pessoas não são perfeitas e nem tão pouco
vem com um manual de instruções, cada uma é de um jeito, mas o difícil é
aceitar esse fato.
E se a vida é um eterno aprendizado, então que possamos
aprender a sermos menos dependentes, menos egoístas, a não ter medo de nossas
escolhas, porque sejam elas certas ou erradas, fazem parte de nosso
amadurecimento. Que sejamos capazes de conviver com as nossas limitações e a do
outro, procurando enxergar o melhor de cada um de nós e não somente as
diferenças. E nunca se esquecer de levar a vida com leveza, mexendo nas gavetas
e praticando o desapego.
Reinaldo Souza 05/05/2013